— O desaparecimento de mim

Eu não sou mais como antes. Eu mudei. O traço ficou mais rude, mais tosco e o cenário mais real, menos imaginário. Levei um choque de desesperança, mortifiquei os poros no ato da escrita, maltratei a chicotadas os sentimentos mais puros do meu coração. A tinta está espessa, misturo nela a terra que se acumulou nos meus sapatos durante a caminhada até aqui. Rastros empilhados em pinceladas firmes e concentradas buscando a silhueta perfeita da mulher de seios errantes e face desintegrada. No fundo o horizonte do mar se desdobra indicando a rota para o infinito. Nas mãos, rosas despetaladas cobertas de sangue, um contraste catastrófico e fascinante. Os olhos vermelhos entupidos de álcool sobre a tela inquietos e desesperados choram o mundo desencantado e dilacerado. As pupilas dilatadas dilatam o coração. Dali não resta nada, o que restou se explodiu, se foi, foi derrotado pela dor que se calou por um segundo. A respiração para e o pensamento voa. Mergulho na minha própria obra, me viro do avesso na tentativa de sumir. Depois de tempos fiquei sabendo que encontraram a minha alma presa naquela tela recostada bem ali. Até hoje não sei se morri ou renasci. Eu só sei que não voltei mais ali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pode falar amor