Mãe

“Mamãe, acorda…Hei mamãe, vamos sair daqui logo. Mãe? Vamos! Vão fechar essa caixa feia que a senhora esta deitada. Mamãe, fala comigo, por favor”. Lembro-me bem de quando disse essas palavras, tinha apenas 5 anos e estava segurando as mãos frias e já sem cor de minha mãe. Ninguém teve a coragem de me retirar daquele lugar, ninguém! Que pessoa deixa uma criança que não tem consciência nem de seus próprios atos falar com uma pessoa morta? Ainda se fosse uma pessoa qualquer… mas era a mãe. Um senhor foi digamos que obrigado a me tirar dali, porque sua obrigação era fechar o caixão. Meu pai não foi ao enterro. Um silêncio enorme passou a expandir-se dentro de mim a partir aquele dia. Tudo mudou. Durante um tempo eu sentei nas escadinhas da entrada de casa e fiquei a espera dela, muitas destas vezes acabei dormindo ali, e ao acordar, eu não sentia mais o cheiro do café fresco tomando conta da casa, ao pegar minhas roupas eu não sentia mais a essência suave da lavanda. Eu já não me encaixava mais em nada. Não era mais como as outras crianças, porque para o meu azar, eu amadureci mais cedo do que elas, e acabei percebendo que a dor é muito mais complexa do que apenas ralar os joelhos ao cair de uma bicicleta. Parecia que nada iria preencher o vazio que se fazia presente com a ausência dela, absolutamente nada. Naquele dia, os adultos não pareciam ser tão forte quanto aparentavam ser no dia a dia, alguns choravam e eu não derramei nenhuma lágrima. Meus sentimentos morreram com ela. Meu pai passou a ser ausente na hora em que eu mais precisei dele. Só pensava no trabalho e eu não o culpo por isso. Era apenas pra não lembrar da mamãe. Eu fazia o mesmo lendo e estudando. Pela janela do meu quarto observava as crianças iludidas com a felicidade jogando risos fora, e eu as invejava, pois não tinha mais essa capacidade. Vozes tornaram-se nada além de ruídos entrando pelos meus ouvidos, pessoas não eram mais merecedoras do meu respeito e o mundo já não merecia minha presença. Assim pesava eu. Falar se tornou desnecessário, porque ninguém mais no mundo teria a capacidade de me compreender igual a ela. A maioria das pessoas tentava se aproximar de mim, mas eu não deixava, porque todo tipo de aproximação me causava dor, dor por não ser a mamãe vindo me abraçar, dor por não ser suas mãos suaves vindo tocar meus cabelos, dor por não ser os olhos dela encontrando os meus e me fazendo sentir a pessoa mais importante do mundo. E os olhos dela eram o mais próximo da definição do céu que alguém poderia ver na vida. Dor foi o que eu passei a sentir. Tudo o que eu queria era gritar, mas eu não podia. Porque todos iriam me olhar menos ela. E isso eu não suportaria. A dor que sentia era intensa demais, era angustiante. Destino sempre me pregando peças. Era uma dor que fazia tudo, me trazia tudo, menos o que era necessário. E hoje acho que infelicidade é o mais próximo de felicidade que eu vou ser capaz de chegar. Mãe é base, mãe é vida, mãe e tudo. E é tão triste dizer isso no passado.”
Beija-Flor.

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